domingo, 30 de setembro de 2007

o que eu não sei

Não sei criar definições concisas, profundas e sarcásticas sobre mim mesma.
Não sei se já escrevi algo que, remotamente, prestasse. Nem sei se um dia escreverei. Não sou uma encantadora de palavras.
Não sei para que servem os dias de sol quando estou triste, senão para me ferir os sentidos, como se a luz cravasse as unhas na minha alma.
Não sei porque as flores amarelas me dão vertigem.
Não sei onde se escondeu a bondade do mundo.
Não sei espantar essa sombra negra que paira sobre os olhos do meu irmão.
Não sei onde deixei umas memórias.
Não sei se a tristeza é genuína ou inventada.
Não sei se aquele pai, andando num corredor, prá cá e prá lá, é real.
Não sei onde senti teu cheiro.
Não sei se consigo.
Não sei se suporto.
Não sei se quero.
Não sei se sobrevivo.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

a egípcia


Vou ignorar o mundo e passar o dia lendo poemas.




Enquanto isso os hormônios furiosos chicoteiam os nervos e transformam pensamentos em armadilhas tentadoras. "Venha cá, meu bem, eu te prometo delícias" sussura um. "Deite-se nesta vala escura", me grita outro. "Dê a patinha e seja uma boa menina", outro.




Abro, ao acaso, o livro com capa de couro e páginas de papel bíblia, como um oráculo.




"De afetos, tenha a fria liberdade


Dos píncaros sem nada.


Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada


É livre; quem não tem, e não deseja,


Homem, é igual aos deuses."


Odes de Ricardo Reis pág. 219




E mais


"Entre o luar e o arvoredo,


Entre o desejo e não pensar


Meu ser secreto vai a medo


Entre o arvoredo e o luar.


Tudo é longínquo, tudo é enredo.


Tudo é não ter nem encontrar,


Entre o que a brisa traz e a hora,entre o que foi e o que a alma faz,


Meu ser oculto já não chora


Entre a hora e o que a brisa traz.


Tudo não foi, tudo se ignora.


Tudo em silêncio se desfaz."


Odes de Ricardo Reis pág. 407




Minha tarde tem um travo amargo, um arrepio na espinha, uma overdose de emoção que me deixa nauseada. "Da cor da náusea que se sente me viagens de carro", como escreve o mestre Jonathan Franzen.